Minha Senhora e Muito admirada Camarada e Amiga
Chegou o dia de lhe agradecer A Síbila, recebida naquele poço de Lisboa onde, por muito que se destine fazer, nada se faz. Espero me conceda que ainda a tempo virei de lhe agradecer a dedicatória que tão fundamente me comoveu. E, ainda a tempo – os tais males que vêem por bem- pois que posso acrescer a esta carta um “químico” da resposta a um questionário que o Óscar Lopes me propôs e que destina à revista “Lusíada”.
A título particular e confidencial vai, que me valha o perdão do meu aparentemente ingrato silêncio. Por ela saberá que, em Lisboa, passei os olhos pelo original de “A Síbila”. E é a minha vez de dizer: Impressionante! Pudera eu escrever assim! Que inveja, creia: mas a inveja honesta, a inveja boa de quem admira.
Do seu livro que ouvi em Lisboa até aqui em Estarreja – aqui, dum engenheiro que, por excepção, consegue ser engenheiro e também gente – as mais entusiasmadas referências. Alegra, isto. E A Síbila, afinal, quem a conhece já perfeitamente? Quando um livro tem sumo, não é a primeira e Sofrega leitura que todo se lhe apreende. Se, lido aí umas cinquenta vezes, o Eusébio Macário me traz ainda surprezas! E é um livro singelo. Que dizer do Bernardos complexos? Ou do Mann?
De há muito, e desesperado, cheguei à conclusão, pela parte que até me toca na roupa, de que nunca um livro será de todo apreendido pelo leitor. O leitor anda, vira a folha, distrai-se, é interrompido, atende o telefone, ou vai jantar, e deixa ameado um capítulo. E a intenção que nele pusemos, na própria subtileza duma palavra, que só podia exactamente ser essa, tudo lhe passa, distraído, por leviandade, quando não se trata de bácoro indiferente a pérolas.
Aí tem pelo que li já três vezes A Síbila. E outras hei-de lê-la, que a sua apreensão estará ainda muito crua. E agora, porque não pode deixar de interessá-la, – Sua pensão de escritora…dou-lhe a notícia de que terminei, há uns meses já, a minha “ambiciosa” Gata Borralhei-ra, que não é o brinquedo que só quis fosse a Procissão dos defuntos. Vou revê-la martirizá-la durante este ano todo, pois só a quero na rua em Dezembro. Se eu fizera o que tanto sonhei! Mas, conheço-me lirismo (guitarra) a mais nos meus livros, cérebro a menos. Acabou-se. Não posso voltar a nascer.
Peço-lhe muito amigos cumprimentos a seu Marido. E sou o “invejoso” admirador que lhe beija respeitoso a mão,
Tomaz de Figueiredo
Estarreja, 17/1/1955
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